Quanto aos ministérios femininos o que a IPB pode aprender com a Igreja Presbiteriana Evangélica (EPC)?

Vivemos tempos de controvérsias dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Das mais variadas ordens, essas questões de natureza teológica, eclesiástica, política e cultural se encontram pairando sobre nossas cabeças há algum tempo e recentemente se mostraram mais visíveis em nossas últimas Assembleias Gerais, em 2018 e 2022. Essas tensões não parecem estar adormecendo, mas apenas estão se depurando para em algum momento deflagraram algo maior e com maiores chances de dividir mais que ajuntar. Mas o que fazer?
Um breve quadro histórico
Para os mais inteirados da história do presbiterianismo mundial, e com destaque para o ramo norte-americano que deu origem as igrejas brasileiras, as dissenções e rupturas são a marca de uma árvore genealógica cheia de encontros e desencontros dentro da tradição reformada que se consolidou nos EUA. E mesmo o nosso próprio presbiterianismo nacional também já se deparou com a controvérsia e a cisão em alguns momentos de sua história.
Em termos muito sucintos é possível recuperar alguns grandes momentos em que o presbiterianismo norte-americano esteve envolto em momentos de ruptura e que deram os rumos dessa tradição reformada tanto em seu país de origem como nos lugares que receberam seus posteriores esforços missionários, como o caso do Brasil.
Ao longo do século XIX a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (PCUSA) se dividiu em dois grandes momentos distintos. O Primeiro foi na divisão Velha Escola/Nova Escola, onde os presbiterianos defensores de um tradicionalismo calvinista rigoroso (os da Velha Escola) e os presbiterianos avivalistas e defensores de uma feição moderada de calvinismo (os da Nova Escola) após anos de embates internos se precipitaram na divisão da denominação que durou por volta de 30 anos até que ambas as facções pudessem se reunir novamente. Ao longo da divisão da Velha e Nova Escola outra questão se conjugou para desencadear mais tensões: A escravidão e a consequente Guerra Civil. Mesmo entre essas facções havia quem se contava em lados opostos em relação à questão da escravidão, e mesmo quando a Velha e a Nova Escola se uniram elas estavam divididas por suas denominações, a chamada Igreja do Norte (PCUSA) estabelecida em 1870 e a Igreja do Sul (PCUS) configurada no ano de 1865. Ashbel Green Simonton chegou ao Brasil em 1859 enviado pela PCUSA, mas ambas as denominações mesmo que divididas nos EUA foram responsáveis por enviar missionários que estabeleceram o presbiterianismo no Brasil.
Outro grande empasse que circunscreveu a paisagem do presbiterianismo nos EUA ficou conhecido como sendo a controvérsia Fundamentalista/Modernista. Em linhas gerais, os presbiterianos que nunca estiveram totalmente alheios às tendências que já haviam os dividido anteriormente, agora tinham que lidar com as implicações de discussões teológicas na passagem do século XIX para o século XX. As incontáveis e profundas mudanças políticas e sociais, a consolidação das filosofias das luzes, a impactante proposição evolucionista e estudos críticos subterrem antigos conceitos teológicos aos crivos científicos e da alta crítica. Os presbiterianos e outros grupos protestantes responderam em algumas frentes a esse novo estado de coisas, enquanto alguns tentavam conciliar antigas crenças cristãs com as novas epistemologias, outros procuravam afirmar de forma criteriosa a doutrina cristã e protestante. Nesse período uma coletânea de cadernos foi publicada a fim de salvaguardar aquilo que se julgava ser o essencial da fé cristã, os chamados The Fundamentals, e daí o emprego do termo fundamentalista para se referir a esse grupo. Outros momentos que ilustram esse período foi o que ficou conhecido como “o julgamento do macaco”, caso em que um professor secundarista foi levado ao tribunal sob a acusação de estar ensinando evolucionismo aos seus estudantes. O caso recebeu bastante atenção e funcionou como um exemplo para as caricaturas que principalmente aqueles que eram temerários do ensino evolucionista iriam ganhar. Por fim há que se mencionar a figura de John Gresham Machen, antigo professor do seminário de Princeton e um dos nomes centrais em meio às disputas teológicas no presbiterianismo nas primeiras décadas do século XX e o fundador da Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC), já no rescaldo das disputas entre as diferentes frentes dentro da antiga PCUSA.
Conquanto outros momentos possam ser incluídos na esteira dos acontecimentos em tempos mais recentes, as divisões da Velha e da Nova Escola e a controvérsia Fundamentalista/Modernista são dois momentos decisivos na história presbiteriana e que até hoje podem encontrar correspondências e continuidades em controvérsias recentes, e que no fim só possuem uma nova roupagem de antigas disputas.
Já na segunda metade do século XX o presbiterianismo brasileiro ia se tornando cada vez mais independente de suas igrejas-mães, à medida que elas mesmas estavam tendo de lidar com suas próprias questões internas. Em 1983 os ramos do Norte e do Sul se reuniram para formar a Igreja Presbiteriana (E.UA.), ocasião em que a IPB rompeu definitivamente sua relação com a igreja americana majoritária.
A PC (USA) não se formou sem antes ver dissenções que formaram outras denominações nas igrejas que a precederam. Em 1973 a Igreja do Sul (PCUS) deu origem ao que hoje é a Igreja Presbiteriana na América (PCA), para todos os efeitos a segunda maior denominação presbiteriana nos EUA e a maior denominação conservadora naquele país, que junto com a OPC e outras denominações menores pode ser descrita como a herdeira contemporânea da Velha Escola presbiteriana. Essas denominações conservadoras fornecem boa parte da teologia reformada que a Igreja Presbiteriana do Brasil consome e promove. A denominação do norte também produziu outra igreja presbiteriana. Sua relação com a IPB é o que nos interessa aqui, se trata da Igreja Presbiteriana Evangélica (EPC).
A Igreja Presbiteriana Evangélica (EPC)
A Igreja Presbiteriana Evangélica surgiu em 1981 com a saída de um grupo insatisfeito com o que entendiam serem os extremos do liberalismo na liderança da Igreja Presbiteriana Unida (UPCUSA), como então se encontrava a denominação do norte naquele momento. O grupo que se retirou procurava uma afirmação evangélica mais definida enquanto procurava maneiras de tolerar divergências possíveis e conciliáveis. A primeira Assembleia Geral da recém-formada denominação contou com a presença do notável teólogo reformado Francis Schaeffer.
A EPC tinha um forte comprometimento evangélico, mas ao contrário do grupo mais conservador que emergiu da Igreja do Sul, a Igreja Presbiteriana Evangélica reconhecia que havia algum nível de diferenciação e divergência aos que se uniam a nova denominação e que seria dispendioso estabelecer um tipo de uniformidade rigorosa em cada aspecto teológico possível. A solução foi estabelecer uma denominação presbiteriana que afirmasse sua tradição reformada através de suas confissões ao mesmo tempo em que entendesse que havia alguma margem para liberdade em questões secundárias.
Assim a EPC define seu comprometimento com o arcabouço histórico e confessional reformado se reportando a Confissão de Fé de Westminster:
A Confissão de Fé de Westminster passou por várias revisões desde que foi originalmente produzida em 1647. Adotamos algumas das revisões importantes que a atualizam, bem como uma versão em linguagem moderna que manteve cuidadosamente a integridade do documento, proporcionando maior acessibilidade aos leitores do século XXI. A Confissão de Fé de Westminster e os Catecismos Maiores e Breves são nosso padrão confessional singular. Afirmamos que contém o sistema de doutrina ensinado pela Bíblia.
A EPC também possui um documento que estabelece o que a denominação entende como os essenciais, os denominadores comuns incontestáveis, chamados de Os fundamentos de nossa fé:
Além da Confissão de Fé de Westminster, desenvolvemos “os fundamentos de nossa fé”. Embora acreditemos que toda a nossa fé é importante, alguns elementos dessa fé são absolutos. Por exemplo, é essencial que concordemos com o significado da morte expiatória de Jesus na cruz. Por outro lado, não acreditamos que seja essencial concordar com o momento da segunda vinda de Cristo. O EPC, portanto, estabeleceu essas crenças centrais da fé cristã sobre as quais deve haver acordo, mas permite latitude e (com base bíblica) diferenças de opinião sobre assuntos considerados não essenciais para um cristão.
O estabelecimento de fronteiras e de liberdades é o que torna a Igreja Presbiteriana Evangélica conhecida por abranger os movimentos mais carismáticos dentro do presbiterianismo norte-americano, e também é o caracteriza a maneira como a denominação lida com uma questão difícil para muitos presbiterianos: a ordenação de mulheres aos ofícios da igreja.
A EPC e os ministérios ordenados femininos
A Igreja do Norte já tinha diaconisas e presbíteras desde a primeira metade do século XX, e a partir dos anos 50 começou um processo de ordenação de mulheres como pastoras. Quando foi criada, a EPC reuniu tanto os que eram favoráveis a essa maneira de entender os ministérios femininos como aqueles que tinham reservas a essa ou aquela prerrogativa de ordenação de mulheres. A ordenação de mulheres se tornou um dos grandes momentos para definir uma posição moderada dentro da denominação. Em 1986 em sua 4ª Assembleia Geral a EPC definiu sua política e entendimento sobre a ordenação de mulheres:
Ordenação de mulheres
A Igreja Presbiteriana Evangélica não acredita que a questão da ordenação de mulheres seja um elemento essencial da fé. Acredita-se que a posição reformada histórica sobre a doutrina bíblica do governo por presbíteros seja a forma necessária para o aperfeiçoamento da ordem da igreja visível, mas nunca foi considerada essencial para sua existência.
A Confissão de Fé de Westminster deixa claro que a igreja católica é às vezes mais, às vezes menos, visível de acordo com a pureza da igreja em um determinado momento. Além disso, as igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas tanto à mistura quanto ao erro.
No entanto, apesar de tais falhas em ser tudo o que Deus deseja que Sua igreja seja, a Confissão de Fé de Westminster afirma que “… sempre haverá uma igreja na terra para adorar a Deus de acordo com a Sua vontade”.
Assim, enquanto algumas igrejas podem ordenar mulheres e algumas podem se recusar a fazê-lo, nenhuma das posições é essencial para a existência da igreja. Uma vez que as pessoas de boa fé que igualmente amam o Senhor e defendem a infalibilidade das Escrituras divergem sobre esta questão, e uma vez que a uniformidade de visão e prática não é essencial para a existência da igreja visível, a Igreja Presbiteriana Evangélica optou por deixar esta decisão às consciências guiadas pelo Espírito das congregações particulares a respeito da ordenação de mulheres como anciãs e diáconos, e aos presbitérios a respeito da ordenação de mulheres como ministras.
É neste contexto que a Igreja Presbiteriana Evangélica declara em seu Livro de Governo, Capítulo 6, intitulado “Direitos Reservados a uma Igreja Local” que “A igreja local tem o direito de eleger seus próprios oficiais” (6–2). Este direito é garantido em perpetuidade. Por fim, o lema de nossa igreja resume nossa postura: “No essencial, unidade; no que não é essencial, liberdade; em todas as coisas, caridade”.
Adotado pela 4ª Assembleia Geral
Junho de 1984
A ordenação feminina na EPC é, portanto uma escolha facultativa, e as igrejas locais decidem se mulheres serão ordenadas como diaconisas e presbíteras e os presbitérios tem liberdade para decidir se mulheres serão ordenadas ao ministério pastoral. Algo semelhante aconteceu entre os Episcopais/Anglicanos mais conservadores que formaram a Igreja Anglicana da América do Norte (ACNA) e onde os ministérios femininos foram deixados a cargo das dioceses.
Mesmo que possa existir alguma divergia quanto a papel das mulheres na EPC, algo importante e significativo em sua última Assembleia Geral foi à decisão histórica da denominação acenando para uma maior consolidação do entendimento dos ministérios femininos dentro de denominação. A EPC elegeu a primeira mulher para o maior dos postos representativos na igreja, o de moderador, o que no Brasil conhecemos na IPB como Presidência do Supremo Concílio. A presbítera Rosemary Lukens foi eleita Moderadora da 42ª Assembleia Geral no ano passado, tornando-se a primeira a mulher ocupando esse ofício. (O vídeo de sua eleição e instalação pode ser visto aqui). Como de costume o mandato de um moderador/a nas igrejas presbiterianas é idealmente anual até que se seja realizada uma nova Assembleia Geral no próximo ano. Outras informações sobre a Igreja Presbiteriana Evangélica podem ser obtidas através de sua página oficial.
A relação da Igreja Presbiteriana do Brasil com a Igreja Presbiteriana Evangélica
A Igreja Presbiteriana do Brasil mantém vínculos de longa data com a EPC. A parceria entre as duas igrejas ficou marcada pelo apoio da denominação norte-americana na consolidação do ensino teológico dentro da IPB, como o desenvolvimento do Centro de pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ), uma das joias da coroa da IPB.
Segundo relatos oficiais da história do CPAJ:
…O programa foi adotado pela Evangelical Presbyterian Church (EPC), dos Estados Unidos, como um “projeto missionário”. A cerimônia de inauguração deu-se no dia 6 de março de 1992, no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição (…) Em 1994, o curso recebeu o nome de Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, em homenagem ao Rev. Dr. Andrew Albert Jumper, falecido em maio de 1992, que muito contribuiu para o reinício do programa e a obtenção de apoio financeiro. Nos anos subsequentes, graças ao convênio firmado com a Evangelical Presbyterian Church, outros pastores brasileiros fizeram seus estudos de doutorado no exterior e passaram a compor o corpo docente do Centro de Pós-Graduação, ao lado do Dr. Heber Campos. Foram eles o Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes (Novo Testamento), Dr. Mauro Fernando Meister (Antigo Testamento) e Dr. Alderi Souza de Matos (História da Igreja). Entre outras atividades, esses professores passaram a editar, a partir de 1996, a revista teológica Fides Reformata, que obteve grande aceitação junto a pastores e leigos presbiterianos e de outras denominações evangélicas.
De maneira geral o papel da EPC foi imprescindível para o salto teológico dentro da IPB após a criação do Centro de Pós-graduação, o que se seguiu nos anos e décadas seguintes possibilitou que a IPB reivindicasse algum nível de formação teológica elevada oferecida aos estudantes de seus seminários.
A EPC sobre os olhares da Comissão de Relações Inter-eclesiásticas (CRIE)
O órgão da IPB que estabelece e mantém os vínculos com outras denominações e entidades de agremiação reformadas no Brasil e ao redor do mundo é a Comissão de Relações Inter-eclesiásticas (CRIE). São seus membros que funcionam como representantes e diplomatas da IPB nos vários níveis e formas de relacionamento com outras denominações. Os membros da CRIE normalmente participam das assembleias gerais dessas igrejas e garantem o diálogo bilateral que possibilita trabalhos e benefícios comuns.
Os últimos relatórios anuais da CRIE na última década revelam a percepção que essa organização da IPB vem tendo sobre a EPC. Segundo os critérios da CRIE descritos em seu mais recente relatório a relação com a EPC é de Nível 3, ou seja, o status de maior proximidade, reconhecimento e identificação bilateral que a IPB pode ter com outra denominação:
NÍVEL 3 — IGREJAS IRMÃS,RELAÇÕES FRATERNAS OU COMUNHÃO ECLESIÁSTICA PLENA (Fase em que igrejas ou denominações reformadas que já passaram pelos anteriores dois passos de relacionamento, concluem, em seus concílios maiores, ser apropriado o estabelecimento de relações eclesiásticas plenas e celebram oficialmente a completa comunhão eclesiástica. Nesta fase, há total reconhecimento mútuo nos âmbitos confessional, ministerial e administrativo, ainda que sejam reconhecidas diferenças menores. Esta comunhão é caracterizada pelo intercâmbio de delegados fraternos nas reuniões maiores, pelo intercâmbio de ministros, pelo recebimento e emissão de cartas de transferência de membros e ministros, pelas ações estratégicas conjuntas, por consultas mútuas quanto a questões principais, pelo intercâmbio de atas dos concílios superiores, dos anuários e outros documentos denominacionais e por amplos acordos de cooperação. (Relatório da CRIE-2022)
Em relatórios anteriores a parceria entre as duas denominações era definida em termos de fraternidade e bastante interesse por parte da igreja brasileira em continuar o relacionamento com a EPC em aspectos de formação teológica no CPAJ e planos de cooperação missionária evangelística:
…O acordo de cooperação entre a IPB e a EPC data do SC 1986. Durante a década de 90 esse relacionamento foi crucial para o estabelecimento de uma pujante tradição de educação teológica pós-graduada na IPB. Neste âmbito, houve uma primeira fase, na qual foram estabelecidas as bases para a educação teológica pós-graduada na IPB. Ainda nessa fase a EPC possibilitou a formação de vários doutores brasileiros nos EUA que pudessem continuar o projeto de pós-graduação teológica no Brasil. Entre 1999 e 2001 surgia a possibilidade de uma segunda fase na parceria, uma fase final relacionada à educação teológica e ao Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, mas essa segunda fase não chegou a se concretizar. No quadriênio 2006–2010 os contatos entre a IPB e a EPC foram intensos e o espírito de cooperação é muito forte. Esta parceria é importante para ambas às denominações e deve ser preservada e desenvolvida. (Relatório da CRIE 2007–2010)
Representantes de ambas as igrejas se correspondiam e participavam nas Assembleias Gerais de forma reciproca:
…Após a abençoada visita da delegação da EPC a São Paulo no ano de 2007, a próxima reunião ocorrerá nos EUA, devendo a CRIE enviar seus delegados. (ibid)
Em 2009, quando da celebração dos 150 anos do presbiterianismo brasileiro, a EPC foi uma das denominações presbiterianas representadas por uma comissão significativa:
“Muito obrigado por seu convite para as celebrações do sesquicentenário do estabelecimento da IPB. A graça, generosidade e atenção da IPB para comigo e com os demais delegados foi surpreendente… Confio que o Senhor terá para a EPC e a IPB relações muito próximas.” (Rev. Dr. Jeffrey Jeremiah, Secretário Executivo da Evangelical Presbyterian Church). (ibid)
Mas é também em 2009 que a CRIE começa a identificar uma tendência crescente dentro da EPC, a recepção acentuada de igrejas vindas da PCUSA:
…Quanto às sessões regulares da Assembleia Geral, destacam-se o espírito positivo de fidelidade, colaboração e boa vontade que permeou a discussão e deliberação de assuntos delicados daquela denominação, especialmente nas questões relacionadas aos Transitional Presbyteries (Presbitérios de Transição, criados para receber o grande número de Igrejas locais que estão migrando da Presbyterian Church USA para a EPC por causa da insatisfação com o direcionamento teológico daquela denominação), e da questão de preservar a liberdade de consciência e a unidade denominacional na questão relacionada à ordenação de mulheres ao presbiterato, uma vez que a EPC como um todo tem caminhado em direção mais conservadora no assunto, mas se esforça para fazê-lo sem alijar aqueles que têm mantido posição diferente. Para lidar com este segundo assunto, foi criado uma comissão paritária especial que apresentará seu relatório na 30ª Assembleia Geral, em julho de 2010. (ibid)
O Relatório de 2010 sobre a ordenação de mulheres como pastoras (ao que parece mulheres ocupando outros postos ordenados como diaconato não parecia ser um ponto de tensão dentro da EPC naquele momento), preservou o entendimento da 4ª Assembleia Geral. Esse relatório pode ser acessado na minuta de reunião de 2010, na página 190.
Apesar das diferenças, em 2010 a CRIE encaminhou a seguinte recomendação em relação a EPC para o Supremo Concílio daquele ano que reafirmava os vínculos com outras denominações:
QUANTO AO RELACIONAMENTO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL COM A EVANGELICAL PRESBYTERIAN CHURCH (EPC) DOS EUA:
Considerando:
I. Que a Evangelical Presbyterian Church (EPC) tem sido importante parceira da IPB desde meados da década de 1980;
II. Que a EPC é uma denominação comprometida com as Escrituras, compartilha os mesmos padrões de fé que a Igreja Presbiteriana do Brasil (os símbolos de Westminster) e tem manifestado operosidade no serviço e visão missionária;
III. Que o acordo de cooperação missionária entre a IPB e a EPC (anexo 5, abaixo), celebrado em 1986, produziu grandes bênçãos para a IPB, dentre as quais o treinamento pós-graduado de professores de teologia no exterior e o estabelecimento do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper;
IV. Que a EPC tem crescido aceleradamente nos últimos anos e tem recebido centenas de igrejas locais anteriormente pertencentes à Presbyterian Church in the United States of America (PCUSA), as quais têm deixado a PCUSA devido a posicionamentos teológicos latitudinários e têm encontrado na EPC uma denominação bíblica, fiel à tradição reformada e também dinâmica; V. Que a relação entre a IPB e a EPC é histórica, está amadurecida e promete continuar a ser benção para ambas as denominações e para o Reino de Deus;
A IPB resolve
I. Reconhecer a Evangelical Presbyterian Church (EPC) como IGREJA IRMÃ, manifestando à EPC esta iniciativa e, respeitando o princípio de reciprocidade que rege as relações intereclesiásticas da IPB, oficiar à EPC convidando a mesma para que reconheça também a Igreja Presbiteriana do Brasil como Igreja Irmã;
II. Mediante reconhecimento semelhante da parte da IPB, entrar em RELACIONAMENTO DE IGREJAS IRMÃS (nível 3, acima) e determinar à CRIE que dê prosseguimento ao relacionamento nesses novos termos. (ibid)
Naquele momento a IPB reconhecia a EPC como uma denominação irmã e aparentemente entedia o fluxo de igrejas da PCUSA para a EPC, pois os ministérios femininos eram tolerados dentro da denominação. Algo que nos anos seguintes se mostrou cada vez mais objeto de desconfiança, ao menos dos membros da CRIE. Os relatórios seguintes da CRIE dos anos 2012/2013 não nos são disponíveis até o momento. Em 2014 a percepção em relação à EPC permaneceu ainda intocada, mas a CRIE continuava interessada no fluxo de igrejas da PCUSA:
…Continuamos estreitando os laços dessa denominação que tem recebido inúmeras congregações que saem da PCUSA, em fuga do liberalismo teológico, situação intensificada a partir de 2012, quando diversas igrejas saíram “em bloco” da PCUSA , motivadas, especificamente pelas recentes definições denominacionais da PCUSA com a aceitação do homossexualismo e ordenação de homossexuais. (Relatório da CRIE — 2014)
A CRIE manteve sua prática de enviar representantes as Assembleias Gerais anuais da EPC que chegavam a pregar e a falar ao plenário desses sínodos, mas em 2016 seu relatório adiciona uma seção nova em relação à EPC:
Colocamos aqui algumas observações atualizadas sobre a EPC, sobre situações que devem ser monitoradas de perto pela CRIE e que devem ser levadas ao conhecimento da IPB: A EPC foi fundada em 1981 por igrejas que saíram da PCUSA preocupadas com os rumos liberais da denominação, já naquela década, há pouco mais de 35 anos. Com a movimentação para aprovação da ordenação de homossexuais pela PCUSA, o êxodo de igrejas para a EPC foi incrementado, e em 2012, uma nova denominação, a ECO (Covenant Order of Evangelical Presbyterians) foi estabelecida, recebendo também esse fluxo migratório da PCUSA. Atualmente a ECO tem quase 300 igrejas (89 recebidas somente de 2015 para 2016) e cerca de 120 mil membros. Menos conservadora do que a EPC (a ECO aceita a Confissão de Fé de 1967, da PCUSA), essa denominação continua recebendo igrejas da PCUSA. A EPC tinha, em 2006, 182 igrejas. No ano passado (2016) registrou 587 igrejas e cerca de 370 mil membros. 380 dessas igrejas vieram no período de 2010 a 2016. A maioria dessas igrejas são oriundas da PCUSA e 27 destas foram agregadas de 2015 para 2016. Nesse meio tempo, a PCUSA continuou a declinar. De 1 milhão e 700 mil de membros nominais, há cinco anos, está reduzida a 1 milhão e 200 mil, havendo até dúvida se esses dados expressam a realidade da membrezia da denominação. Somente no ano passado a PCUSA perdeu 187 igrejas e cerca de 95 mil membros. A preocupação é no sentido de que esse fluxo migratório venha a dar o tom à EPC. Alguém já se referiu a essas igrejas que têm deixado a PCUSA a igrejas “PCUSA-sem gays”, ou seja, não aceitam a quebra desta última barreira, mas doutrinariamente podem ser tão liberais como antes. A EPC estava se movimentando em direções mais conservadoras. Havia uma moratória de facto em ordenação feminina, por quase dez anos, mas essa questão ficou para trás, pois todas as igrejas da PCUSA vieram com suas pastoras e presbíteras a integrar os quadros da EPC e, certamente, agora são maioria nos concílios. A CRIE monitorará e observará cuidadosamente essa situação.
Em 2018 a CRIE continuava sua preocupação com o estado de coisas na EPC, e apesar de reafirmar os vínculos com a denominação, à vigilância permanecerá até eventuais decisões na reunião do Supremo Concílio de 2022 (Relatório da CRIE — 2018).
Já nos anos 2020 e 2021 a pandemia prejudicou a participação efetiva de representantes nas Assembleias Gerais de igrejas parceiras, apenas em 2022 essa participação seria reestabelecida. O relatório de 2022 da CRIE expos o estado de coisas e preocupações que se pode notar em relatórios anteriores, mas mesmo assim a relação com a EPC ainda permanece inalterada: “Para este SC/IPB-2022, a CRIE ainda não está emitindo nenhuma recomendação..” (Relatório da CRIE — 2022). Em contra partida a EPC anualmente vem renovando seus vínculos de fraternidade e parceria com a Igreja Presbiteriana do Brasil sem reservas.
O que se pode tirar nas entrelinhas das percepções da CRIE?
A tinta dos escritos corresponde ao temperamento teológico que a IPB vem assumindo nos últimos tempos e por isso não é de se surpreender a maneira como certas questões são abordadas nos últimos anos pelos relatórios da CRIE.
No caso da EPC é notável como nos últimos doze anos o ministério feminino na denominação (algo que sempre existiu, vide a declaração de 1984) foi se tornando um desacordo desagregável e preocupante. Algumas perguntas imediatamente me ocorrem: Quando os esforços da EPC eram úteis para a IPB, essa não era uma questão? Ao longo dos anos a IPB e seus mediadores se atentaram as posturas e políticas teológicas da denominação ou ignoraram algo que depois pareceu uma surpresa? O quanto os representantes da igreja da brasileira realmente conhecem a igreja norte-americana? O relatório da IPB cita uma EPC com 370 mil membros, quando o último relatório estatístico da denominação contabiliza 125,418 membros. Além de não se certificar em relação a essas informações importantes pra justificar certas narrativas, os membros da CRIE estão sendo informados por quem para se referirem as igrejas que são incluídas na EPC vindas da PCUSA como “igrejas liberais sem gays”? Os representantes da CRIE que atuam como diplomatas estão conversando com seus pares da EPC para entenderem os processos na igreja ou estão dando ouvido a quem está fora da denominação irmã?
A IPB lança desconfianças que nem mesmo a própria Igreja Presbiteriana na América, tão conservadora quanto, tem lançado e no último verão norte-americano a PCA e a EPC realizaram Assembleias Gerais simultaneamente o que permitiu que o próprio Secretário Nacional (Stated Clerk) da PCA, o Rev. Bryan Chapell, pudesse se corresponder com ao plenário da EPC em um vídeo de saudação. Ambas as denominações reconhecem suas diferenças dentro do presbiterianismo, mas ainda se reconhecem em seus vários denominadores comuns.
Outro momento significativo envolvendo a EPC foi a sexta Assembleia Geral da World Reformed Fellowship (WRF), a Fraternidade Reformada Mundial. A WRF é uma organização que congrega denominações reformadas ao redor do mundo e tem uma identidade mais evangélica e conservadora quando comparada com a Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas (CMIR) que tem um perfil mais progressista. A IPB é uma das principais filiadas da WRF e em 2015 o Brasil teve a oportunidade de hospedar a quarta da Assembleia Geral da WRF.
A Igreja Presbiteriana Evangélica também é uma denominação filiada à WRF e uma de suas igrejas foi escolhida para hospedar o último encontro do evento que aconteceu em 2022, realizado na Primeira Igreja Presbiteriana de Orlando, Flórida. A Primeira Igreja da Flórida é uma das maiores congregações presbiterianas dos EUA e é uma antiga igreja vinculada à PCUSA e que se juntou nos últimos anos à EPC, que providencialmente mantém seus escritórios nacionais na cidade da Flórida. Ser uma antiga igreja da PCUSA e estar numa denominação como a EPC não se tornou um impeditivo para a Primeira Igreja e muitos líderes da EPC tiveram um protagonismo durante o encontro da WRF. Na ocasião o Rev. Davi Charles Gomes também esteve entre os oradores, não por coincidência o Rev. Davi é um dos representantes da CRIE, sendo um porta-voz e um emissário da IPB internacionalmente, além de também ser um dos líderes instalados na própria WRF.]
Quanto aos ministérios femininos o que a IPB pode aprender com a Igreja Presbiteriana Evangélica (EPC)?
Alguns debates parecem inevitáveis dentro do presbiterianismo, mas ao mesmo tempo são nesses momentos que muito da nossa melhor teologia está sendo produzida. De tempos em tempos seremos arrastados para essas controvérsias e embates, o que certamente nos causará todo tipo de dano, mas ao mesmo tempo um tipo de maturidade para lidar com diferenças.
A Igreja Presbiteriana Evangélica aparece como um modelo razoável para aqueles que buscam maneiras de lidar com diferenças enquanto se empenham em manter a unidade confessional e fraternidade entre os irmãos na vida ministerial da igreja.
Uma postura madura vai reconhecer que uma denominação de amplas latitudes como a Igreja Presbiteriana do Brasil dificilmente vai conseguir se nivelar de uma maneira rigorosamente uniforme. Mesmo que tenhamos um sistema confessional em comum podemos encontrar, por exemplo, diversidade litúrgica dentro de nossas igrejas, de modo que nem todos estarão dispostos a cantar apenas salmos, enquanto outros terão reservas com a chamada alta liturgia reformada.
Os ministérios femininos também vão surgir como um fator de diferenciação e podemos encontrar opiniões diversas e igualmente razoáveis dentro da IPB a esse respeito, como também encontramos nuances na maneira de entender os dons e as experiências mais carismáticas. Nosso desafio será discernir até que ponto nossas diferenças nos farão nos expelir mutuamente enquanto parte do Corpo de Cristo, ou se encontraremos alguma maneira de discernir nosso sistema essencial de doutrinas e nossas reservas teológicas que permitem algum nível de divergência. Qual o tamanho da nossa tenda e quem deve estar nela?
Enquanto nos digladiamos e nos machucamos dentro das nossas próprias fileiras alguns veem as reais preocupações pairando sobre nossas cabeças: As tendências estagnantes dentro da denominação, o envelhecimento demográfico, as culturas evangelísticas, as passagens (ou não) das gerações, a urgente necessidade de uma teologia pública e a saúde mental de líderes e membros. Aqui só citando algumas.
Por isso é importante qualificarmos nossos debates e desenvolvermos uma prática de tolerância e espírito conciliar, algo próprio de nossa tradição reformada, e por isso a Igreja Presbiteriana Evangélica escolheu a velha formula conciliar como lema denominacional: “Nas coisas essenciais unidade, nas coisas não essenciais liberdade, e em todas as coisas caridade..”