Os “Bispos” da Igreja Presbiteriana do Brasil

Os presbiterianos têm um histórico de se oporem a lideranças déspotas e monolíticas, a administração eclesiástica nas igrejas reformadas sempre fez frente a opção episcopal de governo em que bispos e/ou arcebispos exercem o poder na igreja, a exemplo da Igreja Católica ou da Igreja Anglicana. Não é à toa que as igrejas reformadas, em oposição ao governo de bispos, por vezes imprimem sua forma de governo na maneira com a qual identificam suas igrejas: Presbiterianas. Os Presbiterianos creem que a maneira mais condizente de governo da igreja é onde presbíteros eleitos governam e ensinam nas igrejas locais, o agrupamento de uma porção de igrejas locais forma um presbíterio, que por sua vez é o concílio elementar das igrejas presbiterianas, são eles que enviam comissários (presbíteros representantes dos presbitérios) para o concílio maior das igrejas presbiterianas: A Assembleia Geral (AG).
Essa Assembléia toma as principais decisões da igreja em âmbito nacional, é ela que também elege um Moderador que preside a AG e as demais sessões da igreja até que faça outra Assembléia, esse Moderador é o maior governante na igreja e seu porta-voz oficial. Mas o Moderador não é necessariamente um bispo ou um líder supremo da igreja, ele é o moderador da Assembleia Geral, seus encargos são de fazer valer decisões tomadas pelos comissários na AG e de ser uma figura diplomática tanto dentro quanto fora da igreja, sua permanência na função é em tese transitória até ser substituído por outro na Assembleia seguinte. Por conta disso é que podemos considerar o governo presbiteriano em alguma medida democrático e horizontal em comparação a igrejas com governanças verticais (episcopais) ou pior, igrejas que literalmente tem um dono.
A título de exemplo e comparação destaco alguns atuais moderadores de algumas Igrejas Presbiterianas.
Comecemos pela Igreja Mãe, Church of Scotland, A Igreja da Escócia. O atual Moderador da Igreja da Escócia é um ex-vice-primeiro ministro do país, o Lorde Wallace de Tankerness (Jim Wallace), eleito para um mandato em 2021.

Ainda nas Ilhas Britânicas vale destacar os Moderadores da Free Church of Scotland (Igreja Livre da Escócia) e da Igreja Presbiteriana na Irlanda, respectivamente o Rev. Donnie G. MacDonald e o Rev. David Bruce. Ambos tiveram suas permanências nos cargos prorrogadas em razão dos adiamentos das Assembleias Gerais por conta da pandemia.


Agora nos concentremos nos atuais Moderadores de algumas das Igrejas Presbiterianas nos EUA.
A principal Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos é a Presbyterian Church (USA) , Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da America (PCUSA), a PCUSA nas últimas décadas se tornou uma denominação predominantemente progressista e preocupada com a justiça social e racial, de modo que muitas escolhas de Moderadores reflete o intuito da denominação de compor quadros de lideranças mais diversos numa igreja em que 90% de seus membros são de pessoas brancas. Além disso sua estrutura de governabilidade é decentralizadora a medida que possui duas figuras oficias de governo na igreja, o Stated Clerk, oficial responsável pelo Escritório da Assembleia Geral e por conduzir os trabalhos eclesiásticos da igreja além de ser um interlocutor nacional e em ações ecumênicas, é eleito de quatro em quatro anos onde existe a prerrogativa de reeleição já que se entende que é uma cargo para designações a longo prazo e mais continuas na igreja. Outro oficial na igreja é o Moderador (desde 2016 a função é exercida concomitantemente por dois oficias ou Co-Moderadores), esse eleito a cada dois anos, que é o intervalo de realização de cada Assembleia Geral, e tem as designações de moderar reuniões subsequentes de comissões executivas até a próxima AG. Se pudermos fazer uma comparação, na PCUSA existem portanto oficias governantes equivalentes a um Chefe de Governo e Chefe de Estado.

Atualmente o Stated Clerk da PCUSA é o Rev. Dr. J. Herbert Nelson II, eleito em 2016 e reeleito em 2020, é o primeiro afro americano a ocupar o cargo. Também em 2020 a AG elegeu seus Co-Moderadores para sua gestão bienal, foram eles a presbítera Elona Street-Stewart, a primeira nativa americana eleita moderadora (anteriormente ocupada o cargo a presbítera Vilmarie Cintrón-Olivier, primeira latina-americana eleita Moderadora), e o Rev. Gregory Bentley. Vale lembrar que sendo uma denominação que desde os fins da década de 60 ordena mulheres para o presbiterato elas também compõe quadros de liderança na igreja.

Outra denominação presbiterana norte americana, essa mais conservadora e que exerce considerável influência na igreja brasileira, é a Presbyterian Church in America, a Igreja Presbiteriana na America (PCA) também possui uma estrutura governamental que possui um Stated Clerk, esse com uma permeância mais perene e ininterrupta, e um Moderador, eleito a cada AG o que na PCA acontece anualmente. O Rev. Bryan Chapell e o Rev. Howie Donahoe servem na Igreja Presbiteriana da America atualmente como Stated Clerk e Moderador.


Anteriormente na Assembleia Geral de 2017 foi eleito como Moderador o Rev. Dr. Alexander Jun, primeiro Moderador pertencente a uma minoria étnica na PCA, Jun é coreano. Já em 2018 foi a vez do Rev. Dr. Irwyn Ince ser eleito Moderador, o primeiro afro-americano a ocupar o cargo. É simbólica a eleição de Irwyn na PCA, já algum tempo a igreja vem dispondo de esforços para reconhecer e combater o racismo interno e se reconciliar com uma diversidade racial numa denominação esmagadoramente branca e consideravelmente formada por igrejas do Sul dos Estados Unidos.


A principal denominação presbiteriana no Brasil, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), contudo, destoa da tendência de suas congêneres de se manter uma igreja horizontal e de alternância em seus postos oficias de governança. Suas particularidades começam com o fato de seu conselho maior se chamar Supremo Concílio (SC) ao invés de Assembleia Geral, essa mudança e diferença de termos aconteceu por volta da década de 30 quando a IPB inciava um processo de maior independência em relação as igrejas norte-americanas impulsionada por forte impeto nacionalista. É possível que a opção pela expressão Supremo Concílio, um tanto quanto megalomaníaca, possa se dever a uma atmosfera tipicamente autoritária e centralista dos anos 30 e 40 no Brasil, ou ainda por uma influência marcadamente do linguajar maçônico, ou o que é bem provável um misto das duas coisas. Na IPB a figura equivalente a de um Moderador é chamada de Presidente, ele é eleito conjuntamente com outros oficiais e juntos formam a Mesa do Supremo Concílio, o orgão que preside o SC. Mesmo sendo termos considerados meras expressões variantes mas equivalentes as encontradas em outras igrejas, eles já indicam que as instâncias governamentais da Igreja Presbiteriana do Brasil tem ares centralizadores e autoritários, algo que não condiz com o espírito do governo presbiteriano.
Atualmente, e já há bastante tempo , o Supremo Concílio da IPB é presidido pelo Rev. Roberto Brasileiro, sua primeira eleição se deu em 2002 e desde então foi reeleito em todas as reuniões do SC que se seguiram totalizando ao todo cinco mandatos e mais de vinte anos no posto de Presidente. As razões e motivos são passíveis de especulação, inclusive havendo pessoas mais familiarizadas com as entranhas e ditames da denominação que realmente assim as faça. No ano que vem é provável que o Rev. Roberto finde seu quinto e último mandato, em razão de sua idade e saúde debilitada.

De qualquer forma é perceptível que a Igreja Presbiteriana do Brasil se enredou em um lugar de certa paralisia e conformismo, em um lugar onde o fortalecimento e incentivo de novas e jovens lideranças é minimo quando não inexistente, prefere-se a manutenção dos mesmos conchavos e alianças que alimentam acima de tudo um tipo personalista e paternalista da denominação, onde precisamos de líderes fortes e carismáticos que se perpetuam no poder, ora pois, não há no governo episcopal em si mesmo algo necessariamente ruim, se se está assumindo que a forma episcopal é a mais adequada passemos a chamar a Igreja Presbiteriana logo de Igreja Episcopal já que sua presidência é para todos efeitos um Colégio Episcopal de Bispos e a presidência por sua constância no cargo pode ser praticamente alçada a designação de Arcebispal.
Um aspecto que merece ser pontuado também é a presença do Rev. Augustus Nicodemus ocupando a vice-presidência do Supremo Concílio, não desqualificando a pessoa do Reverendo Augustus, mas sim atentando ao que ele significa dentro da denominação. Nos últimos tempos o Rev. Augustus alcançou notória visibilidade e prestígio dentro da denominação a ponto de ser várias vezes cotado para ser o Presidente do SC, o respeito e admiração que angariou ao longo do tempo é sem dúvidas por sua dedicação ao ensino e pregação do Evangelho, a questão é que mesmo não intencionalmente o Rev. ganhou ares de popstar (mais pelo reconhecimento dos outros do que por qualquer pretensiosidade do próprio Rev.) e qualquer declaração que ele faça acaba por ter o peso e a equivalência de uma encíclica papal dentro da denominação presbiteriana e também fora dela, vide toda repercussão que sua recente entrevista à Folha. De qualquer modo é comum haverem pastores excepcionais e com maior visibilidade dentro da Igreja, como anteriormente o próprio Caio Fábio o foi. O ponto é portanto a associação quase que imediata que é feita entre os maiores representantes públicos da igreja como tendo sempre a prerrogativa e aptidão para estarem presidindo concílios da Igreja, não existe idealização mais personalista do que essa, a de que o principal nome da denominação é necessariamente aquele que tem que a lidera, assim sendo não vimos R.C. Sproul ou ainda não vemos Tim Keller em postos de liderança oficial na Igreja Presbiteriana na America, antes foram e são mais uteis e necessários desempenhando papeis em ministérios outros.
A função de Moderador não requer necessariamente que o candidato disponha de popularidade, antes requer disposição, maleabilidade e traquejos diplomáticos. Sendo um posto transitório pode contemplar a priori qualquer presbítero (há prerrogativa na IPB de que presbíteros possam ocupar o cargo de Moderador mas até hoje apenas um presbítero foi agraciado) ou pastor de qualquer lugar da denominação, isso faz com que esse seja um posto estratégico onde podemos ver novos rostos de realidades diferentes da denominação trazendo vivências, trajetórias e demandas distintas e fazendo essas chegarem até o máximo posto de governança na igreja.

É evidente a necessidade de mudanças radicais na cultura institucional na Igreja Presbiteriana do Brasil, onde o próprio imaginário da membresia leiga é povoado de subserviência desmedida a esses quadros institucionais, infelizmente mudanças dessas natureza não ocorrem repentinamente, e a própria indisposição e o emaranhado burocrático da denominação nem sempre são receptivos a reformas, como se vê em alguns episódios pontuais discutidos em reuniões de Supremo Concílio.
Em 2010 chegou ao plenário do Supremo Concílio uma proposta de Emenda Constitucional proposta pelo Presbitério Sudoeste de Belo Horizonte *, cujo intuito era alterar a recorrência da reunião ordinária do SC, de quadrienal para bienal. Entre as alegações para a mudança estava a grande quantidade de matéria que se acumulada de uma reunião a outra, que por consequência fazia com que muitas discussões e decisões fossem postergadas ou ainda resolvidas unicamente em reuniões anuais e restritas da Comissão Executiva e que por vezes legislava sobre matérias que diziam respeito ao plenário de comissários do SC decidir. A resolução foi recusada pela comissão responsável pela petição, a justificativa da recusa apontou que uma reunião extraordinária do SC poderia ser convocada se assim fosse o caso para conter demandas, não mencionando a tomada de decisões indevidas da Comissão Executiva. A realização bienal da reunião do SC foi tida como improvável em razão da logística de organização dispendiosa da reunião, resta saber se opções alternativas e uma profunda análise de viabilidades para uma maior recorrência da reunião do SC são de fato realizadas. Curiosamente a reunião do Supremo Concílio de 2010 não venceu suas inúmeras pautas e teve que acionar mais uma reunião extraordinária no mesmo ano.
Em 2018 foi a vez do Presbitério Vale dos Sinos enviar a reunião do SC realizada naquele ano** uma proposta de reforma constitucional, entre as razões descritas no documento vale destacar algumas:
3. A caminhada administrativa da IPB nos últimos 67 anos sobre a égide da Constituição de 1950 com pouquíssimas emendas por seus presbitérios, torna importante e oportuna uma avaliação dos fóruns próprios (Presbitérios) sobre a aplicabilidade, eficácia e preservação dos princípios originais do Presbiterianismo.
4. O Crescimento do número de Concílios, especialmente de Presbitérios que gera a cada reunião ordinária do Supremo Concílio um aumento significativo de deputados: a estrutura administrativa da denominação aumenta a cada quadriênio, o que não evidencia com clareza um crescimento amadurecimento teológico e missionário. O perigo do crescimento estrutural reside na possível condução da IPB a um formato de hierarquia administrativa impulsionando-a para uma estrutura episcopal e não presbiteriana sendo a hierarquia um exercício de controle e não de serviço*** desfigurando a essência e o distanciamento da origem bíblica do Presbiterianismo.
6. Que sem definições claras e simplificação da estrutura administrativa sempre o fortalecimento teológico, a IPB enfraquecerá inclusive na renovação de lideranças***, na paridade de representação e governo nos Concílios entre ministros e presbitérios, no crescimento sem critérios objetivos de Sínodos e Presbitérios e no enfraquecimento da base, que são as igrejas locais.
8. Que o texto da CI/IPB não é infalível, mas deve como norma excelente e relevante ser aplicável a todas as regiões concílios da IPB, corrigindo as suas próprias distorções e equívocos do legislador ordinário***…
Além dessas razões o documento propunha uma reforma que dentre outros ajustamentos dinamizava a reunião do SC, diversificava a abrangia novas lideranças e limitava reeleições. Mas mesmo o zelo e disposição do Presbitério Vale dos Sinos não encontrou muita ressonância positiva e sua petição foi negada, entre as justificativas pra isso se destacam a alegação de que a poucas mudanças na constituição indicavam solidez e zelo dos princípios originais do presbiterianismo, além disso indicava-se que pontos apresentados na petição haveriam de ser discutidos naquela mesma reunião, a verdade é que o Presbitério de Duque de Caxias na mesma reunião realmente apresentou uma proposta que previa a alternância na Presidência do Supremo Concílio entre um presbítero e um ministro (um reverendo ou pastor) e apenas uma reeleição****, a proposta foi igualmente rejeitava e descrita como inibidora da espontaneidade democrática da eleição. Infelizmente nada foi dito sobre a falta de uma tradição de incentivo e conscientização para que se abra o caminho para candidaturas de presbíteros, ao contrário o que se tem é um ministro que se mantém na presidência não dando lugar para novas lideranças há 20 anos. A IPB já há tempos virou o rosto para sua igreja mãe, a PCUSA, a igreja brasileira rejeita a teologia progressista de sua igreja materna mas ao menos poderia levar em conta seu estilo de governança, como mencionado anteriormente, na PCUSA a moderação é dividida entre um ministro e um presbítero, e com isso se foge do centralismo não representativo.
A Igreja Presbiteriana do Brasil mesmo sendo uma igreja reformada pelo visto rejeita o princípio de ser uma igreja que sempre se reforma, permanecendo ainda distante de um ideal realmente presbiteriano em sua governança. Há de se reconhecer ainda uma imaturidade institucional em comparação a outras igrejas, suas congêneres em outros países por exemplo realizam reuniões anuais (A PCUSA realizava reuniões anuais até 2004, desde então realiza reuniões bienais) o que permite que há sempre um azeitamento das engrenagens burocráticas da denominação, a PCUSA no ano de 2022 realizará sua 225° Assembléia Geral, a IPB por sua realizará sua 40°, os anos realmente conferem amadurecimento institucional a igreja.
No restante do arraial reformado os presbiterianos independentes (IPIB) tem se saído um pouco melhor, já algum tempo deixaram de designar sua Assembléia Geral de Supremo Concílio,e a uma maior tendência em viabilizar a eleição de diferentes presidentes e comissões executivas com o passar do tempo. Até a pequena e limitada Igreja Presbiteriana Unida (IPU) se dispõe a renovar seu quadro diretor. Permanece ainda um caminho longo para a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Eventualmente ouço alguém contando uma história anedótica onde em algum momento da consolidação da Igreja da Escócia quando o país ainda estava na eminencia de ser absorvido pela Inglaterra e por sua igreja um Bispo realizava um serviço que foi julgado como sendo semelhante a missa romana (se tratava de um serviço anglicano evidentemente), o que foi o bastante para uma mulher se revoltar e arremessar seu banquinho em direção ao Bispo, a manifestante bravou que não admitia que um bispo realizasse missa em sua igreja reformada. Esse acontecimento normalmente é contato para tratar do combate as heresias ou da própria alta liturgia, mas no caso da Igreja Presbiteriana do Brasil pode servir para ilustrar que ainda hoje ninguém se manifestou tão veemente como aquela mulher contra a existência de um Bispo em sua igreja reformada.
* A petição pode ser encontrada na plataforma que hospeda os documentos e atas das reuniões da Comissão Executiva e do Supremo Concílio o iCalvinus . Se trata do documento 20 do ementário da reunião SC/2010.
** Documento 19 da reunião SC/2018.
*** Destaques meus.
**** Documento 15 da reunião SC/2018.