A maioria das mulheres presbiterianas não faz parte da SAF e o que isso significa sobre o futuro das Sociedades Internas na IPB.

Jared Victor
6 min readMar 7, 2023

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V Encontro da Mulher Presbiteriana, organizado pela CNSAFs aconteceu nos dias 03 a 06 de novembro em Caldas Novas — GO. Fonte: APMT

A burocracia contábil na Igreja Presbiteriana do Brasil pode parecer sem razão de ser ou puramente mecânica, mas um olhar cuidadoso nos dados e informações que produzimos fornece uma imagem minuciosa da realidade, das tendências e dos possíveis destinos de nossa denominação. É o caso do relatório anual da Secretária Nacional do Trabalho Feminino, mas o que esse documento tem a nos dizer?

Num primeiro momento salta aos olhos o que todos nós já sabemos, a SAF (Sociedade Auxiliadora Feminina) faz por onde para ser a maior, mais articulada e engajada sociedade leiga da IPB reunindo um número vasto de atividades e feitos do itinerário próprio da SAF, porém um pequeno e significativo dado é importante aqui, o número de sócias dessa importante sociedade interna. Em 2022 a SAF contava com 50.635 sócias em suas fileiras nacionais, um número maior que o de 2021 onde a SAF contabilizou 49.992 sócias, o menor contingente nos últimos anos e distante de um pico de 56.055 sócias em 2014. Conquanto a SAF venha se recuperando de baixas facilmente justificadas pelos anos de pandemia, um dado combinado a essa média de sócias mostra uma tendência e uma realidade mais abrangente.

Em 2022 tivemos acesso ao mais recente relatório estatístico e demográfico da IPB. Em 2021 a IPB tinha 702.947 membros. Desses, 550,749 eram membros comungantes, e supondo que a proporção de mulheres e homens acompanhe uma tendência comum podemos imaginar que por volta de 60% de membros comungantes sejam mulheres, algo como 330.000 mulheres. Quando comparamos o número de presbiterianas reconhecidamente vinculadas à denominação com o número médio de sócias nos últimos anos, cerca de 52.000 sócias, não é muito difícil constatar: A maioria das mulheres presbiterianas não faz parte da SAF.

Algumas questões surgem a partir daqui, como saber em que medida essa é uma tendência antiga na igreja (uma pesquisa mais rigorosa poderia vasculhar dados estatísticos antigos e estabelecer um gráfico mais amplo) ou ainda a mais imediata, por que a mulher presbiteriana em média não é uma sócia da SAF?

Certamente há várias razões que expliquem esse fenômeno, e nem sempre vão haver respostas genéricas e definitivas pra explicar algo complexo como a realidade complexa de uma denominação ampla, mas algumas questões são dignas de consideração.

Para além de repostas fáceis como apelar para o desinteresse individualista de mulheres há que se levar em conta o quadro geral do problema, A SAF é a primeira e maior sociedade interna da IPB e tem um papel fundamental junto com outras sociedades internas em abrigar a vida comunitária e social, a obra e o serviço de homens e mulheres na IPB sejam eles crianças, adolescentes, jovens e adultos, mas muito de sua configuração e plataforma parece não atender a um número de mulheres. As donas de casa das décadas de 50 e 60 certamente poderiam estar mais identificadas com o modo de ser e o ethos de uma Sociedade Auxiliadora Feminina, e mesmo que muitas ainda se sintam confortáveis com o que a SAF faz, ainda existem resistências em gerações mais jovens que não se alinham totalmente com o modo SAF de ser. Conquanto pareça ser uma caricatura que não faz totalmente jus a SAF, a imagem de reuniões às duas da tarde com chás e biscoitos parece distante das aspirações de algumas mulheres, mesmo que de fato a SAF em vários contextos atue em várias frentes, até naquelas que em tese a denominação não espera que a mulheres estejam atuando.

As mulheres do século 21 certamente têm muito de diferente das mulheres de décadas anteriores quando a SAF consolidava sua maneira de atuar dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil, elas tem uma diferente jornada de trabalho e estão discernindo mais como conciliar um plano de carreira e o cuidado da família, elas são mais instruídas e críticas, e têm várias outras aspirações de como podem ser úteis nas causas e vocações da igreja. Muitas dessas mulheres querem estar mais integradas à vida e ao serviço da igreja, e além de equilibrar afazeres dispendiosos nem todas parecem simpáticas à imagem subserviente que por vezes a liderança masculina da igreja imputa a atuação feminina na IPB. A denominação vem nos últimos anos discutindo em tons muito recrudescentes o papel das mulheres na denominação, o que em alguma medida também pode explicar parte desse afastamento da sociedade das mulheres presbiterianas.

Mesmo que a SAF tenha dilemas bastante particulares ela não é a única sociedade interna que eventualmente pode lidar com uma crise, a sua medida todas as sociedades internas parecem estar lidando com questões, o que mostra que na verdade as crises na sociedades internas são o reflexo da crise geracional maior que a igreja enfrenta e cada vez mais enfrentará, em outras palavras podemos nos perguntar: Os adolescentes da UPA e o jovens da UMP de hoje em vinte ou trinta anos estarão plenamente na SAF e na UPH?

As sociedades internas há décadas são os lugares que estruturam a vida comum dos membros da IPB e certamente elas são um termômetro da vitalidade de uma igreja e da própria denominação, mas talvez estejamos chegando a um momento da história em que muitas dessas estruturas não dão conta de atender as demandas e realidades dos nossos contextos atuais, e em algum momento teremos que repensar reformas e atualizações dessas entidades para que elas possam de fato cumprir suas funções.

Muitas igrejas locais já vêm rejeitando o modelo tradicional de sociedades internas, o que sempre levanta discussões sobre em que medida essas igrejas estão rejeitando a própria identidade presbiteriana. Cada vez mais ministérios e programas assumem o lugar das antigas sociedades internas na IPB, onde as conhecidas siglas desaparecem do vocabulário das comunidades. A UPH (União Presbiteriana de Homens), facilmente uma das sociedades mais estagnadas e frágeis da igreja pode facilmente deixar de existir nas próximas décadas, sendo redefinidas pela tendência cada vez mais crescente dos chamados grupos de homens em igrejas que visam resgatar masculidades perdidas. Os ministérios de Família e Casais também parecem cada vez mais se consolidarem nas maneiras de lideranças e igrejas lidarem e atenderem as demandas de sociabilidade e prática pastoral.

Outras igrejas podem ainda se afastar das sociedades internas para assumirem uma cultura eclesiástica mais comedida e orgânica, que não queira estabelecer divisórias entre a comunidade. Por outro lado os grupos com diferentes demandas podem ficar dispersos na igreja e a própria atividade dos leigos prefigurada nas sociedades internas se perde em meio uma uniformização dos membros.

Um aparte da realidade cada vez mais eminente na denominação também se encontra numa tendência cada vez mais observável de envelhecimento no perfil de membros. Os membros das igrejas evangélicas devem acompanhar o envelhecimento da população brasileira, mas algumas denominações podem acompanhar mais que outras. A IPB é uma forte candidata a ter um dos contingentes mais velhos entre as igrejas evangélicas, o que em si mesmo não é algo ruim, pelo contrário, mas coloca a denominação em um dilema sobre seu futuro quanto aqueles que irão substituir seu quadro de membros e oficiais. Atualmente a “sociedade interna” que certamente mais cresce na IPB é a da Secretária da Terceira Idade, que na prática funciona como uma sociedade interna como as outras.

A passagem de geração que se precipita na IPB nos próximos anos e décadas certamente vai ser perceptível na vida da igreja, e uma das coisas que mais traduz a cultura de nossas igrejas são as sociedades internas. Muitos temem mudanças naquilo que parece que sempre existiu na história da igreja, mas algo como o modelo de sociedades internas não é algo que acompanha necessariamente as estruturas próprias do presbiterianismo, antes são escolhas bastante contextuais e culturais e por isso podem encontrar um momento de reorientação. Deus certamente ainda estará permitindo que a obra e as vocações encontrem um lugar e uma expressão na Igreja Presbiteriana do Brasil, mas talvez isso seja de maneiras diferentes das que estamos acostumados.

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